Prestes a completar 74 anos, o engenheiro mecânico, cientista da computação e criador de startups, Nivio Ziviani, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ainda guarda na forma de falar a vitalidade dos anos da juventude.
Um dos pioneiros do ensino de graduação em computação no país, ele conseguiu uma façanha obtida por poucos acadêmicos de sua geração: não apenas formou profissionais e gerou conhecimento, como conseguiu transpô-los para fora dos muros da academia.
Contaminado pelo “vírus do empreendedorismo” – como ele mesmo define –, desde que cursou o doutorado na Universidade de Waterloo, no Canadá, nos anos 1980, Ziviani criou cinco startups ao longo da carreira.
Chamou a atenção!
Então, os negócios, bem-sucedidos, chamaram a atenção do mercado e uma das empresas, a Akwan Information Technologies, foi comprada pelo Google em 2005, dando origem ao centro de pesquisa e desenvolvimento da multinacional na América Latina, com sede em Belo Horizonte.
“Desde então, o Google já pôs centenas de milhões de reais no país. Isso aconteceu por causa de algo que conseguimos fazer: mobilizar conhecimento na academia, gerar tecnologia, transferir para a sociedade, empreender e criar emprego nobre”, conta. “A universidade brasileira deve ser um polo gerador de riqueza, por meio de negócios inovadores.”
Ainda assim, Ziviani recebeu a equipe de Pesquisa FAPESP para uma conversa antes da eclosão da pandemia do novo coronavírus, portanto, nos meses seguintes, a entrevista foi complementada por contatos telefônicos e trocas de mensagem. Confira a seguir os principais trechos.
O senhor viveu um episódio dramático na infância. Como isso o marcou?
Primeiramente, quando criança, tive poliomielite. Foi algo com grande impacto na minha vida, nesse sentido, precisei fazer várias cirurgias, a mais pesada em 1960, aos 14 anos. Foi uma operação para corrigir um encurtamento de tendão, em que os médicos cortaram os ossos do meu pé.
Então, fiquei 90 dias no gesso. Eventualmente, isso me marcou muito e provavelmente determinou um pouco como prosseguir na vida. Por causa dessa limitação, não era competitivo em esporte coletivo. Mas sempre gostei de bicicleta. Aos 16 anos, coloquei um motor nela, ou seja, gostava de máquinas e mecanismos. Tanto que depois fui fazer engenharia mecânica.
Mesmo com essa formação, o senhor atuou a vida inteira como cientista da computação. Como foi essa mudança?
À vista disso, sempre gostei de automobilismo, inclusive o de competição – e veio daí meu interesse pela engenharia mecânica, ao passo que, quando era estudante de graduação, chefiei a equipe de kart do piloto Toninho [Antônio Lúcio] da Matta, campeão brasileiro em 1966.
Mas no segundo ano da faculdade, a Escola de Engenharia da UFMG comprou um computador, um IBM 1130, um dos primeiros do país. Rapidamente comecei a trabalhar como programador. A partir daí, passei a interagir com a comunidade de cientistas da computação.
Como era trabalhar com computação numa época em que quase não havia esses equipamentos no país?
A princípio, havia poucas centenas, eram máquinas grandes, que ocupavam a sala toda, e seu poder computacional era muito menor do que o dos smartphones de hoje. Era difícil programar. Completei o curso de engenharia mecânica em 1971, mas sempre trabalhando com programação.
No ano seguinte, um amigo, Ivan Moura Campos, professor do Departamento de Matemática da UFMG, me convidou para iniciar um curso de programação de computadores. Foi assim que virei professor em tempo parcial.
Naquela ocasião já pensava em seguir carreira acadêmica?
Não, não tinha a menor ideia, primordialmente, depois de formado, junto com as aulas de meio período na UFMG, atuei como programador no antigo Banco Nacional.
Assim, em 1973, o governo lançou um projeto para estruturar cursos de graduação intermediária, de tecnólogos, em cinco instituições: UFMG, PUC-Rio [Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro], federais do Rio Grande do Sul [UFRGS] e da Paraíba [UFPB], campus de Campina Grande, e Centro Paula Souza, em São Paulo. Deste modo, em março daquele ano, fui convidado a trabalhar em tempo integral e com dedicação exclusiva para ajudar a implantar o curso na UFMG, em outras palavras, foi uma experiência incrível.
Por quê?
De antemão, começamos tudo do zero. Decidimos como seria o currículo e tivemos que contratar professores, ou seja, era um curso diferente, com dois anos de duração, intensivo e com períodos trimestrais – naquela época, os cursos universitários eram todos semestrais, finalmente, o mesmo currículo foi implementado nas cinco escolas.
Foi assim que se tornou um dos pioneiros na implantação da graduação em computação no país?
Sim. O primeiro vestibular aconteceu no meio de 1973, onde, fui o coordenador do curso na UFMG por dois anos. Uma curiosidade é que, como era uma graduação bem diferente, poderia haver resistência da Pró-reitoria de Graduação. O MEC [Ministério da Educação] achou melhor colocar o dinheiro diretamente nas mãos dos coordenadores, melhor, o que me levava a interagir com o reitor.
Como vê os cursos de ciência da computação no Brasil hoje?
Acima de tudo, caminharam muito bem. O país se destaca na América Latina e tem ensino e pesquisa sólidos em termos globais.
Nossa pós-graduação é competitiva, formamos gente competente, mas, infelizmente, há uma sangria de cérebros. Os melhores profissionais, muitas vezes formados com dinheiro público, acabam indo para o exterior.
Entre as inúmeras pessoas que contribuíram para a qualidade da ciência da computação brasileira, ressalto o pernambucano Carlos José Pereira de Lucena, professor da PUC-Rio, que considero pai da computação no país. Ele criou o primeiro mestrado no Brasil e teve um papel decisivo na Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior].
Também influenciou minha ida para o Canadá, onde fiz doutorado, na Universidade de Waterloo, a universidade canadense que mais gera startups. O smartphone BlackBerry nasceu lá.
Quando fez seu doutorado?
Defendi em 1982. Quando voltei, o professor Lucena, então coordenador da área de ciência da computação na Capes, me convidou para participar dos comitês de avaliação da pós-graduação. Em 1984, retornei para um pós-doutorado de três meses em Waterloo. Enquanto estava lá, fui escolhido sucessor do Lucena. Fiquei dois mandatos à frente da área.
Quais são suas áreas de interesse na computação?
Primeiro, me dediquei a algoritmos e à recuperação de informação [ramo da ciência da computação que lida com o armazenamento de documentos e a recuperação de dados associados a eles], mas depois derivei para inteligência artificial [IA].
Apesar disso, para entender essa guinada, preciso falar sobre as principais revoluções industriais que ocorreram no passado. A primeira, ainda no século XIX, se deu com a criação da máquina a vapor, e a segunda, no início do século passado, com a invenção do motor a combustão interna e a eletricidade, porém, são tecnologias de propósito geral, porque permeiam a vida de todos.
A inteligência artificial é a tecnologia de propósito geral do momento – e ela deverá ter o mesmo impacto que o motor a combustão e a eletricidade tiveram na história da humanidade. Há, ainda, uma terceira revolução industrial, ocorrida nos anos 1990 com a criação da web por Tim Berners-Lee.
Primordialmente, ela nada mais é do que repositórios de textos. Ao disponibilizar conteúdos e conectar as pessoas, a web fez com que surgissem mecanismos de busca para recuperar as informações depositadas nela. Desde os anos 1980 trabalhava com processamento de linguagem natural – meu interesse por essa área começou no doutorado.
Nas décadas de 1990 e 2000 surgiram vários mecanismos de busca.
Sim. Um dos ícones é o do Google. Foi criado em 1998 na Universidade Stanford [EUA]. Meu orientador, Gaston Gonnet, desenvolveu em 1993 um dos primeiros mecanismos de busca da web, que deu origem a uma das maiores empresas de TI [Tecnologia da Informação] do Canadá, a Open Text Corporation. No total, ele criou umas 10 startups. Waterloo é o principal celeiro dessas empresas do Canadá. Ao estudar lá, o vírus do empreendedorismo entrou em mim.
Voltando ao Brasil, já estava infectado…
De certa forma, sim. Em 1985, Gaston veio ao Brasil dar um curso sobre projeto de algoritmos. Nós nos encontramos e ele sugeriu que criássemos uma empresa especializada em algoritmos para buscas em texto, a base dos mecanismos de busca. Isso ficou na minha cabeça. Dez anos depois, quando lecionava na UFMG, um dos alunos, Victor Ribeiro, desenvolveu um software, um robozinho que passeava pela internet e coletava páginas dos servidores web de interesse.
Era um mecanismo de busca?
Não, simplesmente um software, um robô, que tinha essa competência. Criar um mecanismo de busca naquela época era difícil. Ninguém sabia como fazer. Depois que terminou a disciplina, o Victor veio trabalhar comigo no Laboratório para Tratamento da Informação [Latin], que eu havia criado nos anos 1980. Um dia, ele viu um colega fazendo buscas na internet em livrarias virtuais. Ele entrava em cada uma delas e usava o software da livraria para tentar encontrar um livro. O Victor pensou: “Por que eu não uso o meu robô para fazer buscas em todas as livrarias virtuais ao mesmo tempo, apresentando um resultado único ao usuário?”.
Ou seja, ele imaginou criar um mecanismo de busca focado em livrarias.
Sim, para achar qualquer livro em livrarias do Brasil e do exterior. Isso é o que se chama metabusca: usar mecanismos de terceiros para coletar páginas dos servidores de cada negócio, fazer a fusão dos resultados e apresentá-los ao internauta. Esse foi o estopim para criarmos uma família de metabuscadores: o BookMiner, para livros, o CDMiner, para CDs, o SoftMiner, para softwares, entre outros. Hoje, a indústria de metabusca é fortíssima. AirBnb, Trivago, MaxMilhas são exemplos de metabusca. Criamos nosso mecanismo numa época em que ninguém sabia como fazer.
Como esse mecanismo se tornou sua primeira startup?
Tudo começou no Latin. A família Miner de Agentes para a Web foi um sucesso e, em pouco tempo, a rede do departamento não dava mais conta. O número de usuários usando o mecanismo dobrava a cada 30 dias.
Como não dava mais para manter o sistema nos servidores da universidade, negociamos com o UOL, que passou a hospedar a família Miner. Na virada de 1998, ganhamos o iBest [principal premiação da internet brasileira], como site mais popular e mais tecnológico. Até ali, a Miner era bancada por mim e pelo Victor.
Ele decidiu largar o emprego para se dedicar ao negócio, o que é um pré-requisito para o empreendedor ter sucesso. Eu continuei na UFMG. No início de 1999, abri a Folha de S.Paulo e, para minha surpresa, o título da coluna do economista Luis Nassif era “A família Miner”. Ele tecia mil elogios ao nosso buscador, “uma tecnologia de ponta que nasceu na universidade”.
Liguei na hora para dois colegas, o Ivan Moura Campos e o Guilherme Emrich, investidor e criador da Biobrás, fabricante de insulina, e os convenci a investir no negócio. Foi assim que nasceu a Miner.
Quanto eles investiram?
O valor não foi público, mas foi uma quantia relativamente pequena. Aconteceu que o UOL ficou muito interessado na Miner e acabou adquirindo-a, em junho de 1999. Não posso revelar o valor. O Victor trabalhou muito tempo como diretor de Tecnologia da Informação do UOL. Esse foi um dos primeiros cases de sucesso de uma startup nascida na universidade.
É verdade que parte do dinheiro recebido da venda da Miner foi doada à UFMG?
Sim. Quando criamos o mecanismo de busca no Latin, tentei fazer com que ele pertencesse à universidade. Mas havia muita burocracia, era algo difícil de ser efetivado. Victor e eu combinamos que se desse certo faríamos uma doação para a UFMG. Por isso, doamos R$ 100 mil – na época, cerca de US$ 90 mil.
Parte do dinheiro que Victor Ribeiro e eu ganhamos com a venda de nossa primeira startup doamos para a UFMG
O que foi feito com esse dinheiro?
Sugerimos que fosse dividido em partes: uma para modernização do Latin, outra para a criação da biblioteca de pós-graduação do ICEx [Instituto de Ciências Exatas] e uma terceira para criar uma bolsa perene de iniciação científica em computação. Esse dinheiro foi alocado em uma aplicação financeira pela Fundep [Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa, da UFMG] e os juros destinaram-se à bolsa Miner Latin.
Logo em seguida à venda da Miner, o senhor criou outra startup que acabaria sendo comprada pelo Google. Como foi?
Em setembro de 1999, eu e o professor Berthier Ribeiro-Neto, aqui da UFMG, nos encontramos em um evento na Universidade de Berkeley, na Califórnia. Lá combinamos criar um mecanismo de busca geral, diferente de metabusca.
Dois meses depois, lançamos a máquina de busca Todobr. Criamos a Akwan Information Technologies para ser a provedora do Todobr e tínhamos como clientes grandes grupos, como a Odebrecht, a Editora Abril e os portais iG e UOL.
A ferramenta se expandiu para outros países, como Chile e Espanha.
A Akwan tinha P&D fortes e tecnologia de ponta porque estava atrelada a um grupo de excelência da universidade
Qual era o modelo de negócio da Akwan?
Ao contrário do Google, que era uma empresa de mídia, a Akwan era uma provedora de tecnologia. A ferramenta Todobr obteve grande sucesso. A Akwan tinha uma área muito forte de P&D [pesquisa e desenvolvimento] e oferecia tecnologia de ponta. Isso só foi possível porque estávamos atrelados a um grupo de pesquisa de excelência, como o que há até hoje no Departamento de Ciência da Computação da UFMG.
A Akwan, portanto, foi uma spin-off da UFMG?
Ela nasceu na sala onde hoje funciona o Laboratório de Inteligência Artificial. Mas rapidamente a tiramos de dentro do campus para um prédio perto da UFMG. A relação com a universidade continuou estreita. Com a obstinação de sempre fazer tudo corretamente, criei um mecanismo jurídico peculiar.
Que mecanismo foi esse?
Criamos uma Akwan S.A. [Sociedade Anônima] e doamos 5% das ações para a fundação ligada à UFMG, a Fundep. Com isso, eu falava que a universidade era sócia do negócio, o que era uma frase incorreta juridicamente.
Naquela época, a gente ia para as principais conferências mundiais, assim como o pessoal do Google. Nesses fóruns, falávamos da experiência da Akwan.
Foi assim que entramos no radar da empresa. O Google tinha acabado de fazer sua IPO [Oferta Pública de Ações, ocorrida em 2004] e queria se estabelecer na América Latina. No fim daquele ano, recebemos a visita do vice-presidente de Engenharia do Google, Wayne Rosing.
Ele veio aqui em Belo Horizonte?
Sim. Como eu estava na Europa, quem o recebeu foram o Berthier, diretor-executivo da startup, e os sócios-fundadores Guilherme Emrich, na época um dos donos da consultoria de investimentos FIR Capital, bem como, o professor Ivan Campos, os mesmos que anos antes investiram na Miner. A Akwan tinha outros dois sócios, Marcus Regueira, também da FIR Capital, e Alberto Henrique Laender, professor da UFMG.
Como foi o encontro deles com o executivo do Google?
Aconteceu em um hotel no centro de Belo Horizonte. Estávamos morrendo de medo de levá-lo à Akwan, porque não queríamos que nossos engenheiros o reconhecessem.
Mas ele queria de todo modo ir até a empresa, e o pessoal enrolando. Em certo momento, ele falou: “Espera aí que eu vou entrar em contato com Mountain View [cidade onde fica a sede do Google, na Califórnia]”.
Pediu para baixar um Non-disclosure Agreement [NDA], documento padrão para abrir qualquer negociação, e o assinou. Em seguida, meus sócios o trouxeram para a empresa.
A fim de não vazar a informação de que o Google estava interessado na Akwan, dissemos aos pesquisadores que era uma pessoa qualquer que ia visitar a sede.
Só que um dos nossos engenheiros tinha participado poucos meses antes da International World Wide Web Conference, em Nova York, e o reconheceu: “Esse cara é do Google”. Na hora ocorreu o que não queríamos: a informação vazou.
Por que era importante manter o sigilo?
A negociação ainda estava começando. Havia muitos acertos a serem feitos. Quando o Wayne viu o que era a Akwan, o que nós fazíamos e a qualidade dos nossos softwares, ele não acreditou. Sob NDA, travamos uma negociação que durou mais de seis meses – a venda concretizou-se em 19 de julho de 2005.
Berthier e Regueira, os negociadores do nosso lado, foram várias vezes à Califórnia e se reuniram com o Larry Page, um dos criadores do Google, que lidava diretamente com o acordo.
Ziviani (à dir.) reúne-se na UFMG com os criadores do Google, Sergey Brin e Larry Page (os dois à esq.)Arquivo pessoal
Seis meses não foi muito tempo?
A negociação durou tanto porque havia muitos detalhes envolvidos. A contratação dos engenheiros era um deles. Como o custo de contratação é alto demais no Brasil, decidimos trabalhar na Akwan com cooperativas de trabalhadores. Isso era comum na época, mas envolvia risco trabalhista.
Dessa forma, o Google queria comprar 100% do negócio, inclusive os 5% da Fundep. Eles exigiram um documento do Conselho Curador da fundação e da Promotoria Estadual de Fundações atestando a legalidade da venda de um bem da fundação, isto é, sem necessidade de dizer para quem e nem por quanto.
Qual foi o valor da venda?
Não posso dizer. Mas foi dinheiro grande, em suma, o contrato tinha 10 páginas dizendo que ninguém podia revelar o valor, ou seja, foi a primeira empresa comprada pelo Google fora dos Estados Unidos.
A Akwan acabou virando o centro de P&D do Google no país?
Não apenas do Brasil, mas da América Latina. Ele foi montado em Belo Horizonte, com os engenheiros da Akwan, e depois abriram um escritório comercial em São Paulo.
O Google já pôs centenas de milhões de reais no país. Isso aconteceu por causa de algo simples, mas que nem sempre as pessoas percebem a importância, que é mobilizar conhecimento na academia, gerar tecnologia, transferir para a sociedade, empreender e criar emprego nobre.
Então, a universidade brasileira pode e deve ser um polo gerador de riqueza, por meio de empreendimentos inovadores. Sobretudo, a produção científica brasileira saltou de 0,8%, do volume global, em 1996, para 2,6%, em 2018. Mas isso não gera PIB [Produto Interno Bruto] na proporção que deveria.
Ou seja, a universidade brasileira gera conhecimento, mas não riqueza?
Não como deveria. A princípio, a universidade pública brasileira tem a obrigação moral de mobilizar o conhecimento para gerar riqueza por meio de empreendimentos inovadores, isto significa, retornando à sociedade o dinheiro que ela pôs para a formação de recursos humanos de qualidade. Além de gerar bons profissionais, ela tem que produzir riqueza, como ocorre em países desenvolvidos.
E por que isso não ocorre aqui?
A resposta é complexa, afinal, existem vários entraves legais, todavia, tudo que fiz até o surgimento da Akwan foi na base da coragem. Os dirigentes da UFMG deram grande apoio. Desde 2011 a universidade tem uma peça jurídica que facilita a transferência de tecnologia do conhecimento gerado na universidade para startups.
Contudo, a remuneração da UFMG se dá por meio do usufruto sobre 5% das ações ordinárias nominativas da empresa. A UFMG tem os mesmos direitos de qualquer acionista, mas não o voto.
Com isso, se corta o cordão umbilical, para tanto, com o tipo de ação que a universidade tem, se o empreendimento gerar passivo ou der errado, a ação vira pó, sem consequência para a universidade.
Desde 2011, a UFMG tem uma peça jurídica que facilita transferir tecnologia da instituição para startups
Depois da venda da Akwan, o senhor voltou a empreender…
Sim, montei quatro anos depois outra startup com um ex-aluno de doutorado, Edleno Silva de Moura, hoje professor da Ufam [Universidade Federal do Amazonas].
À primeira vista, ele foi o criador do miolo de busca do Todobr e trabalhou como diretor de tecnologia na Akwan. A Zunnit – esse era o nome da startup – era focada em sistema de recomendação, uma subárea da recuperação de informação.
Significa basicamente você recomendar para o usuário notícias e informações relacionadas aos interesses dele. Mas a Zunnit não deu os resultados que esperávamos, pois na época, 2009, com a indústria de jornais em queda, seu mercado era limitado. Decidimos fechar as portas e abrir outra empresa.
Qual?
Antecipadamente, ela se chamava Neemu e era especializada em sistemas de busca para comércio eletrônico, ou seja, éramos eu, Edleno, outro professor da Ufam chamado Altigran Soares da Silva e quatro alunos deles de Manaus.
Então, forte em recuperação da informação, a Neemu provia tecnologia de busca para gigantes do e-commerce, como Americanas e Shoptime, assim, em 2014, 30% do e-commerce brasileiro usava tecnologia da Neemu.
Portanto, no ano seguinte, a Linx, uma das maiores empresas especializadas em tecnologia para o varejo, decidiu entrar no comércio eletrônico e fez uma oferta pela Neemu, deste modo, oficializamos a venda, por R$ 55 milhões, em setembro de 2015. Em março do ano seguinte criamos a Kunumi.
O que exatamente ela faz?
Antes de mais nada, ela é dedicada à solução de problemas complexos por meio da inteligência artificial. Nos últimos quatro anos, temos aplicado recursos de IA para ajudar empresas na predição de demanda e oferta, identificação de anomalias, bem como, análise de carteiras de produtos de crédito e outros. Temos grandes clientes como o Itaú, a petroquímica Braskem, a Coca-Cola, a Porto Seguro e a rede de farmácias Raia Drogasil.
Desde já, a Kunumi também faz P&D com potencial de impacto na sociedade, nesse ínterim, fizemos pesquisas que podem ajudar médicos e formuladores de políticas públicas a lidar melhor com a Covid-19.
Como é sua rotina hoje na empresa e na academia?
Em suma, além de me dedicar à Kunumi, sou professor emérito da UFMG, simultaneamente, oriento alunos e participo de programas de núcleos de excelência. No ano passado, fui convidado para integrar o Conselho de Administração da Petrobras. Foi uma surpresa.
Por fim, o presidente Roberto Castello Branco queria um acadêmico com perfil empreendedor e com conhecimento em inteligência artificial. Uma das minhas missões como conselheiro é ajudar a companhia em seu processo de transformação digital. Aceitei o desafio com prazer.
Fonte: Pesquisa FAPESP
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Fonte: Startupi
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